Concluimos na semana passada o tempo pascal. Praticamente, estamos na metade do ano litúrgico. Depois de celebrarmos o Mistério da Encarnação (Advento e Natal) e o Mistério da Redenção (Quaresma e Páscoa), embora ambos estejam presentes durante toda a nossa vida, agora, como no alto de um monte, a Igreja nos convida a olhar o caminho percorrido e nos dispor a continuar com ânimo e coragem a caminhada que temos adiante.
É assim a nossa vida e a vida da Igreja. Vemos neste tempo o sinal da nossa caminhada histórica, iluminados pelo Espírito Santo, caminhando em Cristo rumo ao Pai para vivermos a comunhão trinitária, agora pela fé e um dia pela visão. Vemos também a Igreja que continua mostrando-nos a presença de Jesus, o Cristo Senhor, na história dos homens, proclamando e anunciando a Boa Notícia, como aparece no início do Evangelho deste domingo.
É a grande solenidade que nos pergunta sobre o Mistério da presença de Deus na história e em nossa vida. É também uma oportunidade de, nestes tempos de perda de valores, principalmente do esquecimento de Deus, cada um de nós nos recolocarmo a caminho d’Aquele com quem já nos encontramos, mas que necessitamos de cotinuar buscando-O ainda mais.
Esta solenidade coloca-nos no centro e sentido de todas as demais celebrações. O único Deus em três pessoas é sempre o contexto em que celebramos cada liturgia – oramos ao Pai, por Cristo, no Espírito Santo! De fato, as diferentes festas só têm sentido dentro do Mistério da Santíssima Trindade. Se a pessoa de Jesus (Natal, Epifania, Páscoa, Corpus Christi e outras), a segunda Pessoa da Santíssima Trindade, se comemoramos o Espírito Santo (como no dia de Pentecostes) se faz sempre em relação com o Pai e o Filho. Se nós celebramos Maria (Imaculada Conceição, Assunção e outras) ou os demais santos, é sempre a considerar como o Deus Uno e Trino trabalhado neles, e como eles corresponderam ao amor de Deus.
Deus é sempre o centro da fé, que deve ser celebrada em comunidade ou na vida cotidiana em que vivemos. Pode-se perguntar: se a Trindade está sempre presente, por que dedicar um domingo especial? Justamente para dar oportunidade de aprofundarmos esse Mistério e o nosso relacionamento com Deus. Lembramos a sua unidade indivisível e as três pessoas em comunhão perfeita. A solenidade deste domingo quer nos lembrar que nenhuma das pessoas está separada uma das outras, e operam em perfeita harmonia. Ela mostra um exemplo notável, que se conecta com a razão pela qual esta festa é celebrada hoje.
Domingo terminou a celebração da Páscoa em suas diversas fases: a paixão de Jesus, sua morte, sua ressurreição e ascensão aos céus e o Pentecostes. A liturgia de hoje nos convida a olhar para trás e considerar o todo como Páscoa, ou seja, um trabalho conjunto da Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo. Assim, são as três pessoas que agem e trabalham em conjunto para o nosso bem. E este é o tema comum às leituras da Missa deste primeiro domingo, quando retomamos o tempo comum, que abre uma janela para a nossa compreensão do mistério trinitário. A primeira leitura (Êxodo 34, 4-9), que assinala como Moisés subiu ao Monte Sinai, onde Deus fala para revelar a sua bondade, e que Moisés proclama: “Deus misericordioso e clemente, paciente, rico em bondade e fiel”. Seu amor atingiu o seu clímax quando Ele nos deu seu próprio Filho. E Jesus diz a Nicodemos, que vem a Jesus durante à noite (Evangelho segundo João 3, 16-18) "Porque Deus amou o mundo que deu seu Filho único, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Pois Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas que o mundo seja salvo por ele”. A salvação que temos, tentando seguir seu exemplo, como observou a segunda leitura (2Coríntios 13,11-13): "Irmãos, alegrai-vos, trabalhai no vosso aperfeiçoamento, encorajai-vos, cultivai a concórdia, vivei em paz, e o Deus do amor e da paz estará convosco”. Imediatamente após, Paulo especifica quem é o "Deus de amor”, saudando os cristãos de Corinto com uma fórmula que se tornou uma das exortações com que começamos a celebração da Missa: "A graça de nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus (Pai) e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós".
Deus revelou-se no Mistério da Trindade – um só Deus em Três pessoas: o mistério, como qualquer outro para Ele, é claro, porém, para nós, vai além da nossa capacidade intelectual. Mas não é algo estranho, porque Ele fala uma língua que, bem sabemos, é a linguagem do amor.
Entre as muitas questões da nossa fé, uma daquelas a que é mais difícil de responder é esta: "Quem é Deus?". Nós, certamente, poderíamos responder em conformidade com as categorias tradicionais do catecismo: que Deus é o Ser, perfeito, eterno e supremo, que criou o céu e a terra. Ou então sobre o que significa e o que Ele continua a dizer que em nossa vida cotidiana?
A Solenidade da Santíssima Trindade quer nos dar mais uma oportunidade para a nossa reflexão. A fé cristã nos diz que Deus é um só, é único, mas junto em três pessoas iguais e distintas: Pai, Filho e Espírito Santo. Assim o revelou para o Filho, Jesus Cristo. Deus é mistério de comunhão, cuja relação ad intra é fundamentada na igualdade da essência, na diversidade de pessoas, fundada em uma profunda relação de amor. E fomos todos criados à essa imagem e semelhança. Deus é amor! E nós proclamaremos seu amor por nós, nesta semana, pelas ruas de nossas cidades com a procissão levando conosco a Eucaristia: Jesus Cristo presente no meio de nós. É o sinal do testemunho que deveremos dar sempre publicamente diante do mundo, proclamando a alegria do dom da fé e do anúncio da Boa Notícia para todos.
† Orani João Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ
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