A vingança e a violência diante de alguns fatos
têm sido uma tônica constante nas várias situações hodiernas. Estamos muitas
vezes construindo uma sociedade sem misericórdia, sem perdão. É verdade que
muitas pessoas estão se cansando de ver a impunidade, a corrupção, a maldade
dominar as situações da sociedade. Necessitamos de um equilíbrio muito
importante nestes tempos de crise. Ao lado da eficiente organização social,
precisamos ver quais são os nossos sentimentos profundos com relação a essas
situações. Existe a necessiade de um Estado organizado e eficiente e, ao mesmo
tempo, de pessoas que tudo fazem com amor e não com ódio. Quais são as nossas
atitudes mais profundas diante desses fatos? Agimos com rancor e ódio ou
procurando “salvar”? É um tema muito interessante e importante.
É muito difícil perdoar? Pedro pediu a Jesus
para esclarecer sobre quantas vezes devemos perdoar o irmão que pecou contra
ele. Jesus responde que devemos perdoar setenta vezes sete, ou seja, sempre. Estamos
aqui no coração da nossa fé diante desta passagem do Evangelho proposto para o
XXIV domingo do Tempo Comum (Mt 18,21-35); somos chamados a confrontar o nosso
crescimento na vida cristã. Jesus, com uma história simples, como uma parábola,
nos faz perceber qual é a fonte do perdão e como somos chamados a viver nas
nossas relações. Não somos a fonte de perdão. Às vezes achamos difícil perdoar
porque estamos um pouco longe do Pai misericordioso, seja pelo nosso pouco
tempo para a oração, pela nossa pouca participação na dupla mesa da Palavra e
da Eucaristia aos domingos e, especialmente, pela esporádica ou simplista
aproximação do sacramento da reconciliação. Se hoje podemos compreender a
beleza do perdão, vamos redescobrir também a beleza da confissão, da confissão
auricular, ou popularmente chamada de confissão individual. (A confissão
comunitária é uma excessão, sempre com a expressa autorização do Bispo
Diocesano).
A parábola aponta que no dia do acerto de
contas, o servo reconhece sua dívida para com seu mestre e pede apenas para ser
paciente, dar-lhe um pouco mais de tempo..... para pagar a conta! A piedade do Senhor é evidente e Ele
cancela toda a dívida, revelando com isso um amor não somente paciente, mas da
sua própria infinita misericórdia. Aqui devemos fazer uma pausa e refletir.
Esse servo pode reconhecer no cancelamento de sua dívida algo que vai além de
uma simples anistia? Será que ele pensa que foi uma anistia concedida em virtude
de seus méritos? Cabe aqui uma reflexão séria para nós: sabemos como reconhecer
os nossos pecados?
O servo perdoado é incapaz, por sua vez, de
perdoar a dívida dos outros. Por que será que acontece isso? A indignação que a
história inspira fez com que outros denunciassem ao mestre o que havia
ocorrido; é a mesma indignação que muitos de nós sentimos ouvindo essa
parábola. Ele revela-nos que seremos sempre incapazes de perdoar se não sabemos
reconhecer e acolher o amor de Deus, que sempre perdoa. O servo, mais do que
ser ingrato para com o próximo, foi ingrato com o seu patrão, que lhe foi tão
generoso.
Aqui, a parábola revela outra verdade: aqueles
que não podem reconhecer e acolher o amor de Deus no perdão, não só não são
capazes de dar aos outros, mas também revelam a sua incapacidade de amar a si
mesmo. O primeiro servo, perdoado, não descobriu que a sua "salvação"
passaria, necessariamente, pela "salvação" que ele poderia dar a seu
vizinho. Como o amor de Deus se concretiza no próximo, assim a recepção do
perdão de Deus é expressa também em ser capaz de perdoar aos outros! Não é
verdade que amando e perdoando o outro, estou amando o outro como a mim mesmo e,
mais ainda, procurando amar como Cristo amou. Recordamos aqui com muita clareza
o “Ama o Senhor Deus com toda a tua força e ao próximo como a si mesmo e amem-se
como Jesus nos amou”.
Para concluir, o Evangelho deste XXIV domingo do
Tempo Comum nos faz entender que perdoar
é dom do Senhor e se torna dificil se nós nos fecharmos ao amor misericordioso
de Deus. Em comunhão com Ele tudo é possível!
Para nós, cristãos, este é um dever primeiro, já
que fomos sujeitos de perdão e misericórdia infinitas da parte de Deus. Fomos
libertados da escravidão do pecado e resgatados por Cristo, a preço de sangue.
Temos agora a certeza de que o mais belo presente que nos é dado a conhecer no
Deus Todo-Poderoso e Senhor é a sua misericórdia. "Você é minha
misericórdia", diz o salmista. Davi, após o seu pecado, torna-se humilde e
arrependido, pedindo a Deus para ser liberado de sua condição e ser purificado
de seu pecado. O mesmo Pedro, depois da sua tripla negação, depois das suas
lágrimas de arrependimento, vai experimentar a alegria do perdão e ver renovada
a investidura como chefe da Igreja.
Examinemo-nos se trazemos em nossas vidas as
consequências da misericórdia e do perdão. Uma vez perdoados, somos chamados a
semear misericórdia e perdão ao nosso redor. Evidentemente que isso não se
confunde com impunidade de quem cometeu delitos e que deve responder por eles,
mas sim o clima que deve reinar nos corações, famílias e sociedade.
Em Cristo, temos agora evidência de que a misericórdia
e o perdão de Deus não têm limites. Nós seremos realmente possuidores de
maldade inimaginável se depois de termos desfrutado tantas vezes do perdão
completo e gratuito de nossas muitas dívidas negássemos ao nosso próximo o
mesmo dom, com a mesma gratidão e generosidade. Devemos, portanto, ao
experimentarmos do Senhor o perdão dos nossos pecados, consequentemente
oferecer ao nosso próximo também o perdão. Isso significa que com o perdão nós
recuperamos não só a graça e benevolência divina, mas também a plena harmonia e
paz com nossos irmãos Se achamos que é difícil perdoar, deixemo-nos guiar por
Pedro, quando ele pediu para Jesus ensinar como fazer isso. Trilhemos esta estrada
de perdoar sempre, setenta vezes sete, não só da boca para fora, mas de
coração, sem nenhum ressentimento e caminhando juntos, porque reconciliados em
Cristo somos novas criaturas! Tente e verá a sua vida modificada, perdoando e
amando!
† Orani João Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de
Janeiro, RJ
0 comentários:
Postar um comentário