Esta verdade afirma a plenitude de imortalidade à qual o homem está
destinado; constitui, portanto, uma lembrança da dignidade da pessoa,
especialmente do seu corpo.
No final do Símbolo dos Apóstolos a Igreja proclama: «Creio na
ressurreição da carne e na vida eterna». Nesta fórmula, estão contados
de uma forma breve os elementos fundamentais da esperança escatológica
da Igreja.
1. A ressurreição da carne
A Igreja proclamou, em muitas ocasiões, a sua fé na ressurreição de todos os mortos no final dos tempos. Trata-se, de certo modo, da “extensão” da Ressurreição de Jesus Cristo, «o primogênito entre muitos irmãos» ( Rm 8,29) a todos os homens, vivos e mortos, justos e pecadores, que terá lugar quando Ele vier no final dos tempos. Com a morte, a alma separa-se do corpo; com a ressurreição, corpo e alma unem-se de novo entre si, para sempre (cf. Catecismo, 997). O dogma da ressurreição dos mortos, ao mesmo tempo em que fala da plenitude da imortalidade à qual o homem está destinado, é uma viva lembrança da sua dignidade, especialmente na sua vertente corporal. Fala da bondade do mundo, do corpo, do valor da história vivida dia a dia, da vocação eterna da matéria. Por isso, contra os gnósticos do século II, falou-se da ressurreição da carne, ou seja, da vida do homem no seu aspecto mais material, temporal, mutável e, aparentemente, caduco.
São Tomás de Aquino considera que a doutrina sobre a ressurreição é natural em relação à causa final (porque a alma está feita para estar unida ao corpo e vice-versa), mas é sobrenatural em relação à causa eficiente (que é Deus) [1].
O corpo ressuscitado será real e material, mas não terreno nem mortal. São Paulo opõe-se à ideia de uma ressurreição como transformação que se leva a cabo dentro da história humana e fala do corpo ressuscitado como “glorioso” (cf. Fl 3,21) e “espiritual” (cf. 1 Cor 15,44). A ressurreição do homem, como a de Cristo, terá lugar, para todos, depois da morte.
A Igreja não promete aos homens, em nome da fé cristã, uma vida de êxito assegurado nesta terra. Não haverá, assim, uma utopia, pois a nossa vida terrena estará sempre marcada pela Cruz. Ao mesmo tempo, pela recepção do Batismo e da Eucaristia, o processo da ressurreição já começou de algum modo (cf. Catecismo, 1000). Segundo São Tomás, na ressurreição, a alma informará o corpo tão profundamente, que nele ficarão refletidas as suas qualidades morais e espirituais [2]. Neste sentido, a ressurreição final, que terá lugar com a vinda de Jesus Cristo na glória, tornará possível o juízo definitivo de vivos e defuntos.
Com respeito à doutrina da ressurreição, podem ser acrescentadas quatro reflexões:
– a doutrina da ressurreição final exclui as teorias da reencarnação, segundo as quais a alma humana, depois da morte, emigra para outro corpo, repetidas vezes se for preciso, até ficar definitivamente purificada. A esse respeito, o Concílio Vaticano II falou do «único curso da nossa vida» [3], pois «está estabelecido que os homens morram uma só vez» (Heb 9,27);
– manifestação clara da fé da Igreja na ressurreição do próprio corpo é a veneração das relíquias dos Santos;
– embora a cremação do cadáver humano não seja ilícita, a não ser que tenha sido escolhida por razões contrárias à fé ( CIC, 1176), a Igreja aconselha vivamente a conservar o piedoso costume de sepultar os cadáveres. Com efeito, «os corpos dos defuntos devem ser tratados com respeito e caridade na fé e na esperança da ressurreição. Enterrar os mortos é uma obra de misericórdia corporal, que honra os filhos de Deus, templos do Espírito Santo» (Catecismo, 2300);
– a ressurreição dos mortos coincide com o que a Sagrada Escritura chama de a chegada dos «novos céus e da nova terra» ( Catecismo, 1042; 2 P 3,13; Ap 21,1). Não só o homem chegará à glória, mas todo o cosmos, no qual o homem vive e atua, será transformado. «A Igreja, à qual todos foram chamados em Cristo Jesus e na qual, por graça de Deus, alcançamos a santidade», lemos na Lumen Gentium (n. 48), não será levada à sua plena perfeição senão «quando vier o tempo da restauração de todas as coisas (cf. Act 3,21)” e, quando, juntamente com o gênero humano, também o universo inteiro, que está intimamente ligado ao homem e por ele atinge o seu fim, será perfeitamente restaurado em Cristo». Haverá continuidade certamente entre este mundo e o mundo novo, mas também uma importante descontinuidade. A espera da instauração definitiva do Reino de Cristo não deve debilitar mas avivar, com a virtude teologal da esperança, o empenho de procurar o progresso terreno (cf. Catecismo, 1049).
2. O sentido cristão da morte
O enigma da morte do homem compreende-se somente à luz da ressurreição de Cristo. Com efeito, a morte, a perda da vida humana, apresenta-se como o maior mal na ordem natural, precisamente porque é algo definitivo, que só será vencida definitivamente quando Deus ressuscitar os homens em Cristo.
Por um lado, a morte é natural no sentido em que a alma pode separar-se do corpo. Por este ponto de vista, a morte marca o término da peregrinação terrena. Depois da morte, o homem não pode merecer ou desmerecer mais. «Com a morte, a opção de vida feita pela pessoa humana torna-se definitiva»[4]. Já não terá a possibilidade de se arrepender. Logo depois da morte irá para o Céu, para o Inferno ou para o Purgatório. Para que isto se verifique, existe aquilo a que a Igreja chamou de juízo particular (cf. Catecismo, 1021-1022). O fato de a morte constituir o limite do período de prova serve ao homem para orientar bem a sua vida, para aproveitar o tempo e outros talentos, para atuar retamente, para se consumir ao serviço dos outros.
Por outro lado, a Escritura ensina que a morte entrou no mundo por causa do pecado original (cf. Gn 3,17-19; Sb 1,13-14; 2,23-24; Rm 5,12; 6,23; Tg 1,15; Catecismo, 1007). Neste sentido, deve ser considerada como castigo pelo pecado; o homem, que queria viver à margem de Deus, deve aceitar o dissabor da ruptura com a sociedade e consigo mesmo como fruto do seu afastamento. No entanto, Cristo «assumiu a morte num ato de submissão total e livre à Vontade de Deus» (Catecismo, 1009). Com a sua obediência, venceu a morte e ganhou a ressurreição para a humanidade. Para quem vive em Cristo pelo Batismo, a morte continua a ser dolorosa e repugnante, mas já não é uma lembrança viva do pecado, mas uma oportunidade preciosa de poder corredimir com Cristo, mediante a mortificação e a entrega aos outros. «Se morremos com Cristo, também viveremos com Ele» (2 Tm 1,11). Por este motivo, «graças a Cristo, a morte cristã tem um sentido positivo» (Catecismo, 1010).
3. A vida eterna em comunhão íntima com Deus
Ao criar e redimir o homem, Deus destinou-o à eterna comunhão com Ele, ao que São João chama a “vida eterna”, ou o que se costuma chamar de o “Céu”. Assim, Jesus comunica a promessa do Pai aos seus: «muito bem, servo bom e fiel, já que foste fiel nas pequenas coisas, entra no gozo do teu Senhor» ( Mt 25,21). A vida eterna não é como «uma sucessão contínua de dias do calendário, mas algo parecido com o instante repleto de satisfação, onde a totalidade nos abraça e nós abraçamos a totalidade. Seria o momento de mergulhar no oceano do amor infinito, no qual o tempo – o antes e o depois – já não existe. Podemos somente procurar pensar que este momento é a vida em sentido pleno, um incessante mergulhar na vastidão do ser, ao mesmo tempo em que ficamos simplesmente inundados pela alegria» [5].
A vida eterna é que dá sentido à vida humana, ao empenho ético, à entrega generosa, ao serviço abnegado, ao esforço por comunicar a doutrina e o amor de Cristo a todas as almas. A esperança cristã no céu não é individualista, mas refere-se a todos [6]. Com base nesta promessa, o cristão pode estar firmemente convencido de que “vale a pena” viver a vida cristã em sua plenitude. «O céu é o fim último e a realização das aspirações mais profundas do homem, o estado de felicidade suprema e definitiva» ( Catecismo, 1024); assim o exprimiu Santo Agostinho nas Confissões: «Fizestes-nos, Senhor, para ti, e o nosso coração está inquieto até descansar em ti» [7]. A vida eterna, com efeito, é o objeto principal da esperança cristã.
«Os que morrem na graça e na amizade de Deus e estão perfeitamente purificados, viverão para sempre com Cristo. Serão para sempre semelhantes a Deus, porque O verão “tal como Ele é” (1 Jo 3,2), “face a face” (1 Cor 13,12)» (Catecismo, 1023). A teologia denominou este estado de “visão beatífica”. “Em virtude da sua transcendência, Deus não pode ser visto tal como é, senão quando Ele próprio abrir o seu Mistério à contemplação imediata do homem e lhe der capacidade para isso” (Catecismo, 1028). O céu é a expressão máxima da graça divina.
Por outro lado, o céu não consiste numa pura, abstrata e imóvel contemplação da Trindade. Em Deus o homem poderá contemplar todas as coisas que, de algum modo, fazem referência à sua vida, gozando delas e, em especial, poderá amar àqueles que amou no mundo com um amor puro e perpétuo. «Não o esqueçais nunca: depois da morte há de receber-vos o Amor. E no amor de Deus encontrareis, além do mais, todos os amores limpos que tenhais tido na terra» [8]. O gozo do céu chega à sua plena culminância com a ressurreição dos mortos. Segundo Santo Agostinho, a vida eterna consiste num descanso eterno e numa deliciosa e suprema atividade [9].
Que o Céu dure eternamente não significa que nele o homem deixe de ser livre. No céu, o homem não peca, não pode pecar, porque, vendo Deus face a face, vendo-O, além do mais, como fonte viva de toda a bondade criada, na realidade não quer pecar. Livre e filialmente, o homem salvo ficará em comunhão com Deus para sempre. Com isso, sua liberdade alcançou a sua plena realização.
A vida eterna é o fruto definitivo da doação divina ao homem. Por isso, tem algo de infinito. No entanto, a graça divina não elimina a natureza humana, nem em seu ser, nem em suas faculdades, nem sua personalidade, nem o que tenha merecido durante a vida. Por isso, há distinção e diversidade entre aqueles que gozam da visão de Deus, não quanto ao objeto, que é o próprio Deus, contemplado sem intermediários, mas quanto à qualidade do sujeito: «quem tem mais caridade participa mais da luz da glória e verá mais perfeitamente a Deus e será feliz» [10].
4. O inferno como recusa definitiva de Deus
A Sagrada Escritura afirma, repetidas vezes, que os homens que não se arrependerem dos seus pecados graves perderão o prêmio eterno da comunhão com Deus, sofrendo, pelo contrário, a desgraça perpétua. «Morrer em pecado mortal, sem arrependimento e sem dar acolhimento ao amor misericordioso de Deus, significa permanecer separado d’Ele para sempre, por nossa própria e livre escolha. É este estado de auto-exclusão definitiva da comunhão com Deus e com os bem-aventurados que se designa pela palavra “Inferno”» ( Catecismo, 1033). Não é que Deus predestine alguém à condenação perpétua; é o homem que, procurando o seu fim último à margem de Deus e da sua vontade, constrói para si um mundo isolado onde não pode penetrar a luz e o amor de Deus. O inferno é um mistério, o mistério do Amor recusado, é sinal do poder destruidor da liberdade humana quando se afasta de Deus [11].
Relativamente ao inferno, é tradição distinguir entre “pena de dano”, a mais fundamental e dolorosa, que consiste na separação perpétua de Deus, sempre desejado ardentemente pelo coração humano, e “pena dos sentidos”, a que se alude frequentemente nos evangelhos com a imagem do fogo eterno.
A doutrina sobre o inferno no Novo Testamento apresenta-se como um chamado à responsabilidade no uso dos dons e talentos recebidos e à conversão. A sua existência faz com que o homem vislumbre a gravidade do pecado mortal e a necessidade de evitá-lo por todos os meios, principalmente, como é lógico, mediante a oração confiante e humilde. A possibilidade da condenação recorda aos cristãos a necessidade de viver uma vida inteiramente apostólica.
Sem dúvida, a existência do inferno é um mistério: o mistério da justiça de Deus para com aqueles que se fecham ao Seu perdão misericordioso. Alguns autores pensaram na possibilidade da aniquilação do pecador impenitente quando morre. Esta teoria é difícil de conciliar com o fato de que Deus deu, por amor, a existência – espiritual e imortal – a cada homem [12].
5. A purificação necessária para o encontro com Deus
«Os que morrem na graça e na amizade de Deus, mas não de todo purificados, embora seguros da sua salvação eterna, sofrem depois da morte uma purificação, a fim de obterem a santidade necessária para entrar na alegria do céu» ( Catecismo, 1030). Pode-se pensar que muitos homens, mesmo que não tenham vivido uma vida santa na terra, não se mantiveram definitivamente no pecado. A possibilidade de serem limpos das impurezas e imperfeições da vida, mais ou menos malograda, depois da morte apresenta-se, então, como una nova bondade de Deus, como uma oportunidade para se preparar para entrar na comunhão íntima com a santidade de Deus. «O purgatório é uma misericórdia de Deus, para limpar os defeitos daqueles que desejam identificar-se com Ele» [13].
O Antigo Testamento fala da purificação ultra-terrena (cf. 2 Mt 12,40-45). São Paulo na primeira Carta aos Coríntios (1 Cor 3,10-15), apresenta a purificação cristã, nesta vida e na futura, através da imagem do fogo; fogo que, de algum modo, emana de Jesus Cristo, Salvador, Juiz e Fundamento da vida cristã [14]. Embora a doutrina do Purgatório não tenha sido definida formalmente até a Idade Média [15], a antiquíssima e unânime prática de oferecer sufrágios pelos defuntos, especialmente mediante o santo sacrifício eucarístico, é indício claro da fé da Igreja na purificação ultra-terrena. Com efeito, não teria sentido rezar pelos defuntos se estivessem ou já salvos no céu ou então condenados no inferno. Os protestantes, na sua maioria, negam a existência do purgatório, já que lhes parece uma confiança excessiva nas obras humanas e na capacidade da Igreja de interceder por aqueles que deixaram este mundo.
Mais do que um lugar, o purgatório deve ser considerado como um estado de temporário e doloroso afastamento de Deus, no qual se perdoam os pecados veniais, se purifica a inclinação para o mal, que o pecado deixa na alma, e se supera a “pena temporal” devida ao pecado. O pecado não só ofende a Deus, e causa dano ao próprio pecador como também, através da Comunhão dos Santos, causa dano à Igreja, ao mundo, à humanidade. A oração da Igreja pelos defuntos restabelece, de algum modo, a ordem e a justiça: principalmente por meio da Santa Missa, das esmolas, das indulgências e das obras de penitência (cf. Catecismo, 1032).
Os teólogos ensinam que no purgatório se sofre muito, de acordo com a situação de cada um. No entanto, trata-se de uma dor com significado, «uma dor bem-aventurada» [16]. Por isso, convidam-se os cristãos a procurar a purificação dos pecados na vida presente mediante a contrição, a mortificação, a reparação e a vida santa.
6. As crianças que morrem sem o Batismo
A Igreja confia à misericórdia de Deus as crianças que morreram sem terem recebido o Batismo. Há motivos para pensar que Deus, de algum modo, as acolhe, quer pelo grande carinho que Jesus manifestou pelas crianças (cf. Mc 10,14), quer porque enviou o seu Filho com o desejo de que todos os homens se salvem (cf. 1 Tm 2,4). Ao mesmo tempo, o fato de confiar na misericórdia divina não é motivo para adiar a administração do Sacramento do Batismo às crianças recém-nascidas (CIC 867), que confere uma particular configuração com Cristo: «significa e realiza a morte para o pecado e a entrada na vida da Santíssima Trindade através da configuração com o Mistério pascal de Cristo» (Catecismo, 1239).
Paul O’Callaghan
Bibliografia básica
Catecismo da Igreja Católica , 988-1050.
Leituras recomendadas
João Paulo II, Catequese sobre o Credo IV: Credo en la vida eterna, Palabra, Madri 2000 (audiências de 25-05-1999 a 4-08-1999).
Bento XVI, Enc. Spe Salvi, 30-11-2007.
São Josemaria, Homilia «A esperança do cristão», em Amigos de Deus, 205-221.
Notas
[1] Cf. São Tomás, Summa Contra Gentiles, IV, 81.
[2] Cf. São Tomás, Summa Theologiae, III. Suppl., qq. 78-86.
[3] Concílio Vaticano II, Const. Lumen Gentium, 48.
[4] Bento XVI, Enc. Spe Salvi, 30-11-2007, 45.
[5] Ibidem, 12.
[6] Cf. Ibidem, 13-15, 28, 48.
[7] Santo Agostinho, Confissões, 1, 1, 1.
[8] São Josemaria, Amigos de Deus, 221.
[9] Cf. Santo Agostinho, Epistulae, 55, 9.
[10] São Tomás, Summa Theologiae, I, q. 12, a. 6, c.
[11] «Com a morte, a opção de vida feita pelo homem torna-se definitiva; esta sua vida está diante do Juiz. A sua opção, que tomou forma ao longo de toda a sua vida, pode ter caracteres diversos. Pode haver pessoas que destruíram totalmente em si próprias o desejo da verdade e a disponibilidade para o amor; pessoas nas quais tudo se tornou mentira; pessoas que viveram para o ódio e espezinharam o amor em si mesmas. Trata-se de uma perspectiva terrível, mas algumas figuras da nossa mesma história deixam entrever, de forma assustadora, perfis deste gênero. Em tais indivíduos, não haveria nada de remediável e a destruição do bem seria irrevogável: é isto que se indica com a palavra inferno» (Bento XVI, Enc. Spe Salvi, 45).
[12] Cf. Ibidem, 47.
[13] São Josemaria, Sulco, 889.
[14] Com efeito, Bento XVI na Spe Salvi diz que «alguns teólogos recentes são de parecer que o fogo que simultaneamente queima e salva é o próprio Cristo, o Juiz e Salvador» (Bento XVI, Enc. Spe Salvi, 47).
[15] Cf. DS 856, 1304.
[16] Bento XVI, Enc. Spe Salvi, 47.
1. A ressurreição da carne
A Igreja proclamou, em muitas ocasiões, a sua fé na ressurreição de todos os mortos no final dos tempos. Trata-se, de certo modo, da “extensão” da Ressurreição de Jesus Cristo, «o primogênito entre muitos irmãos» ( Rm 8,29) a todos os homens, vivos e mortos, justos e pecadores, que terá lugar quando Ele vier no final dos tempos. Com a morte, a alma separa-se do corpo; com a ressurreição, corpo e alma unem-se de novo entre si, para sempre (cf. Catecismo, 997). O dogma da ressurreição dos mortos, ao mesmo tempo em que fala da plenitude da imortalidade à qual o homem está destinado, é uma viva lembrança da sua dignidade, especialmente na sua vertente corporal. Fala da bondade do mundo, do corpo, do valor da história vivida dia a dia, da vocação eterna da matéria. Por isso, contra os gnósticos do século II, falou-se da ressurreição da carne, ou seja, da vida do homem no seu aspecto mais material, temporal, mutável e, aparentemente, caduco.
São Tomás de Aquino considera que a doutrina sobre a ressurreição é natural em relação à causa final (porque a alma está feita para estar unida ao corpo e vice-versa), mas é sobrenatural em relação à causa eficiente (que é Deus) [1].
O corpo ressuscitado será real e material, mas não terreno nem mortal. São Paulo opõe-se à ideia de uma ressurreição como transformação que se leva a cabo dentro da história humana e fala do corpo ressuscitado como “glorioso” (cf. Fl 3,21) e “espiritual” (cf. 1 Cor 15,44). A ressurreição do homem, como a de Cristo, terá lugar, para todos, depois da morte.
A Igreja não promete aos homens, em nome da fé cristã, uma vida de êxito assegurado nesta terra. Não haverá, assim, uma utopia, pois a nossa vida terrena estará sempre marcada pela Cruz. Ao mesmo tempo, pela recepção do Batismo e da Eucaristia, o processo da ressurreição já começou de algum modo (cf. Catecismo, 1000). Segundo São Tomás, na ressurreição, a alma informará o corpo tão profundamente, que nele ficarão refletidas as suas qualidades morais e espirituais [2]. Neste sentido, a ressurreição final, que terá lugar com a vinda de Jesus Cristo na glória, tornará possível o juízo definitivo de vivos e defuntos.
Com respeito à doutrina da ressurreição, podem ser acrescentadas quatro reflexões:
– a doutrina da ressurreição final exclui as teorias da reencarnação, segundo as quais a alma humana, depois da morte, emigra para outro corpo, repetidas vezes se for preciso, até ficar definitivamente purificada. A esse respeito, o Concílio Vaticano II falou do «único curso da nossa vida» [3], pois «está estabelecido que os homens morram uma só vez» (Heb 9,27);
– manifestação clara da fé da Igreja na ressurreição do próprio corpo é a veneração das relíquias dos Santos;
– embora a cremação do cadáver humano não seja ilícita, a não ser que tenha sido escolhida por razões contrárias à fé ( CIC, 1176), a Igreja aconselha vivamente a conservar o piedoso costume de sepultar os cadáveres. Com efeito, «os corpos dos defuntos devem ser tratados com respeito e caridade na fé e na esperança da ressurreição. Enterrar os mortos é uma obra de misericórdia corporal, que honra os filhos de Deus, templos do Espírito Santo» (Catecismo, 2300);
– a ressurreição dos mortos coincide com o que a Sagrada Escritura chama de a chegada dos «novos céus e da nova terra» ( Catecismo, 1042; 2 P 3,13; Ap 21,1). Não só o homem chegará à glória, mas todo o cosmos, no qual o homem vive e atua, será transformado. «A Igreja, à qual todos foram chamados em Cristo Jesus e na qual, por graça de Deus, alcançamos a santidade», lemos na Lumen Gentium (n. 48), não será levada à sua plena perfeição senão «quando vier o tempo da restauração de todas as coisas (cf. Act 3,21)” e, quando, juntamente com o gênero humano, também o universo inteiro, que está intimamente ligado ao homem e por ele atinge o seu fim, será perfeitamente restaurado em Cristo». Haverá continuidade certamente entre este mundo e o mundo novo, mas também uma importante descontinuidade. A espera da instauração definitiva do Reino de Cristo não deve debilitar mas avivar, com a virtude teologal da esperança, o empenho de procurar o progresso terreno (cf. Catecismo, 1049).
2. O sentido cristão da morte
O enigma da morte do homem compreende-se somente à luz da ressurreição de Cristo. Com efeito, a morte, a perda da vida humana, apresenta-se como o maior mal na ordem natural, precisamente porque é algo definitivo, que só será vencida definitivamente quando Deus ressuscitar os homens em Cristo.
Por um lado, a morte é natural no sentido em que a alma pode separar-se do corpo. Por este ponto de vista, a morte marca o término da peregrinação terrena. Depois da morte, o homem não pode merecer ou desmerecer mais. «Com a morte, a opção de vida feita pela pessoa humana torna-se definitiva»[4]. Já não terá a possibilidade de se arrepender. Logo depois da morte irá para o Céu, para o Inferno ou para o Purgatório. Para que isto se verifique, existe aquilo a que a Igreja chamou de juízo particular (cf. Catecismo, 1021-1022). O fato de a morte constituir o limite do período de prova serve ao homem para orientar bem a sua vida, para aproveitar o tempo e outros talentos, para atuar retamente, para se consumir ao serviço dos outros.
Por outro lado, a Escritura ensina que a morte entrou no mundo por causa do pecado original (cf. Gn 3,17-19; Sb 1,13-14; 2,23-24; Rm 5,12; 6,23; Tg 1,15; Catecismo, 1007). Neste sentido, deve ser considerada como castigo pelo pecado; o homem, que queria viver à margem de Deus, deve aceitar o dissabor da ruptura com a sociedade e consigo mesmo como fruto do seu afastamento. No entanto, Cristo «assumiu a morte num ato de submissão total e livre à Vontade de Deus» (Catecismo, 1009). Com a sua obediência, venceu a morte e ganhou a ressurreição para a humanidade. Para quem vive em Cristo pelo Batismo, a morte continua a ser dolorosa e repugnante, mas já não é uma lembrança viva do pecado, mas uma oportunidade preciosa de poder corredimir com Cristo, mediante a mortificação e a entrega aos outros. «Se morremos com Cristo, também viveremos com Ele» (2 Tm 1,11). Por este motivo, «graças a Cristo, a morte cristã tem um sentido positivo» (Catecismo, 1010).
3. A vida eterna em comunhão íntima com Deus
Ao criar e redimir o homem, Deus destinou-o à eterna comunhão com Ele, ao que São João chama a “vida eterna”, ou o que se costuma chamar de o “Céu”. Assim, Jesus comunica a promessa do Pai aos seus: «muito bem, servo bom e fiel, já que foste fiel nas pequenas coisas, entra no gozo do teu Senhor» ( Mt 25,21). A vida eterna não é como «uma sucessão contínua de dias do calendário, mas algo parecido com o instante repleto de satisfação, onde a totalidade nos abraça e nós abraçamos a totalidade. Seria o momento de mergulhar no oceano do amor infinito, no qual o tempo – o antes e o depois – já não existe. Podemos somente procurar pensar que este momento é a vida em sentido pleno, um incessante mergulhar na vastidão do ser, ao mesmo tempo em que ficamos simplesmente inundados pela alegria» [5].
A vida eterna é que dá sentido à vida humana, ao empenho ético, à entrega generosa, ao serviço abnegado, ao esforço por comunicar a doutrina e o amor de Cristo a todas as almas. A esperança cristã no céu não é individualista, mas refere-se a todos [6]. Com base nesta promessa, o cristão pode estar firmemente convencido de que “vale a pena” viver a vida cristã em sua plenitude. «O céu é o fim último e a realização das aspirações mais profundas do homem, o estado de felicidade suprema e definitiva» ( Catecismo, 1024); assim o exprimiu Santo Agostinho nas Confissões: «Fizestes-nos, Senhor, para ti, e o nosso coração está inquieto até descansar em ti» [7]. A vida eterna, com efeito, é o objeto principal da esperança cristã.
«Os que morrem na graça e na amizade de Deus e estão perfeitamente purificados, viverão para sempre com Cristo. Serão para sempre semelhantes a Deus, porque O verão “tal como Ele é” (1 Jo 3,2), “face a face” (1 Cor 13,12)» (Catecismo, 1023). A teologia denominou este estado de “visão beatífica”. “Em virtude da sua transcendência, Deus não pode ser visto tal como é, senão quando Ele próprio abrir o seu Mistério à contemplação imediata do homem e lhe der capacidade para isso” (Catecismo, 1028). O céu é a expressão máxima da graça divina.
Por outro lado, o céu não consiste numa pura, abstrata e imóvel contemplação da Trindade. Em Deus o homem poderá contemplar todas as coisas que, de algum modo, fazem referência à sua vida, gozando delas e, em especial, poderá amar àqueles que amou no mundo com um amor puro e perpétuo. «Não o esqueçais nunca: depois da morte há de receber-vos o Amor. E no amor de Deus encontrareis, além do mais, todos os amores limpos que tenhais tido na terra» [8]. O gozo do céu chega à sua plena culminância com a ressurreição dos mortos. Segundo Santo Agostinho, a vida eterna consiste num descanso eterno e numa deliciosa e suprema atividade [9].
Que o Céu dure eternamente não significa que nele o homem deixe de ser livre. No céu, o homem não peca, não pode pecar, porque, vendo Deus face a face, vendo-O, além do mais, como fonte viva de toda a bondade criada, na realidade não quer pecar. Livre e filialmente, o homem salvo ficará em comunhão com Deus para sempre. Com isso, sua liberdade alcançou a sua plena realização.
A vida eterna é o fruto definitivo da doação divina ao homem. Por isso, tem algo de infinito. No entanto, a graça divina não elimina a natureza humana, nem em seu ser, nem em suas faculdades, nem sua personalidade, nem o que tenha merecido durante a vida. Por isso, há distinção e diversidade entre aqueles que gozam da visão de Deus, não quanto ao objeto, que é o próprio Deus, contemplado sem intermediários, mas quanto à qualidade do sujeito: «quem tem mais caridade participa mais da luz da glória e verá mais perfeitamente a Deus e será feliz» [10].
4. O inferno como recusa definitiva de Deus
A Sagrada Escritura afirma, repetidas vezes, que os homens que não se arrependerem dos seus pecados graves perderão o prêmio eterno da comunhão com Deus, sofrendo, pelo contrário, a desgraça perpétua. «Morrer em pecado mortal, sem arrependimento e sem dar acolhimento ao amor misericordioso de Deus, significa permanecer separado d’Ele para sempre, por nossa própria e livre escolha. É este estado de auto-exclusão definitiva da comunhão com Deus e com os bem-aventurados que se designa pela palavra “Inferno”» ( Catecismo, 1033). Não é que Deus predestine alguém à condenação perpétua; é o homem que, procurando o seu fim último à margem de Deus e da sua vontade, constrói para si um mundo isolado onde não pode penetrar a luz e o amor de Deus. O inferno é um mistério, o mistério do Amor recusado, é sinal do poder destruidor da liberdade humana quando se afasta de Deus [11].
Relativamente ao inferno, é tradição distinguir entre “pena de dano”, a mais fundamental e dolorosa, que consiste na separação perpétua de Deus, sempre desejado ardentemente pelo coração humano, e “pena dos sentidos”, a que se alude frequentemente nos evangelhos com a imagem do fogo eterno.
A doutrina sobre o inferno no Novo Testamento apresenta-se como um chamado à responsabilidade no uso dos dons e talentos recebidos e à conversão. A sua existência faz com que o homem vislumbre a gravidade do pecado mortal e a necessidade de evitá-lo por todos os meios, principalmente, como é lógico, mediante a oração confiante e humilde. A possibilidade da condenação recorda aos cristãos a necessidade de viver uma vida inteiramente apostólica.
Sem dúvida, a existência do inferno é um mistério: o mistério da justiça de Deus para com aqueles que se fecham ao Seu perdão misericordioso. Alguns autores pensaram na possibilidade da aniquilação do pecador impenitente quando morre. Esta teoria é difícil de conciliar com o fato de que Deus deu, por amor, a existência – espiritual e imortal – a cada homem [12].
5. A purificação necessária para o encontro com Deus
«Os que morrem na graça e na amizade de Deus, mas não de todo purificados, embora seguros da sua salvação eterna, sofrem depois da morte uma purificação, a fim de obterem a santidade necessária para entrar na alegria do céu» ( Catecismo, 1030). Pode-se pensar que muitos homens, mesmo que não tenham vivido uma vida santa na terra, não se mantiveram definitivamente no pecado. A possibilidade de serem limpos das impurezas e imperfeições da vida, mais ou menos malograda, depois da morte apresenta-se, então, como una nova bondade de Deus, como uma oportunidade para se preparar para entrar na comunhão íntima com a santidade de Deus. «O purgatório é uma misericórdia de Deus, para limpar os defeitos daqueles que desejam identificar-se com Ele» [13].
O Antigo Testamento fala da purificação ultra-terrena (cf. 2 Mt 12,40-45). São Paulo na primeira Carta aos Coríntios (1 Cor 3,10-15), apresenta a purificação cristã, nesta vida e na futura, através da imagem do fogo; fogo que, de algum modo, emana de Jesus Cristo, Salvador, Juiz e Fundamento da vida cristã [14]. Embora a doutrina do Purgatório não tenha sido definida formalmente até a Idade Média [15], a antiquíssima e unânime prática de oferecer sufrágios pelos defuntos, especialmente mediante o santo sacrifício eucarístico, é indício claro da fé da Igreja na purificação ultra-terrena. Com efeito, não teria sentido rezar pelos defuntos se estivessem ou já salvos no céu ou então condenados no inferno. Os protestantes, na sua maioria, negam a existência do purgatório, já que lhes parece uma confiança excessiva nas obras humanas e na capacidade da Igreja de interceder por aqueles que deixaram este mundo.
Mais do que um lugar, o purgatório deve ser considerado como um estado de temporário e doloroso afastamento de Deus, no qual se perdoam os pecados veniais, se purifica a inclinação para o mal, que o pecado deixa na alma, e se supera a “pena temporal” devida ao pecado. O pecado não só ofende a Deus, e causa dano ao próprio pecador como também, através da Comunhão dos Santos, causa dano à Igreja, ao mundo, à humanidade. A oração da Igreja pelos defuntos restabelece, de algum modo, a ordem e a justiça: principalmente por meio da Santa Missa, das esmolas, das indulgências e das obras de penitência (cf. Catecismo, 1032).
Os teólogos ensinam que no purgatório se sofre muito, de acordo com a situação de cada um. No entanto, trata-se de uma dor com significado, «uma dor bem-aventurada» [16]. Por isso, convidam-se os cristãos a procurar a purificação dos pecados na vida presente mediante a contrição, a mortificação, a reparação e a vida santa.
6. As crianças que morrem sem o Batismo
A Igreja confia à misericórdia de Deus as crianças que morreram sem terem recebido o Batismo. Há motivos para pensar que Deus, de algum modo, as acolhe, quer pelo grande carinho que Jesus manifestou pelas crianças (cf. Mc 10,14), quer porque enviou o seu Filho com o desejo de que todos os homens se salvem (cf. 1 Tm 2,4). Ao mesmo tempo, o fato de confiar na misericórdia divina não é motivo para adiar a administração do Sacramento do Batismo às crianças recém-nascidas (CIC 867), que confere uma particular configuração com Cristo: «significa e realiza a morte para o pecado e a entrada na vida da Santíssima Trindade através da configuração com o Mistério pascal de Cristo» (Catecismo, 1239).
Paul O’Callaghan
Bibliografia básica
Catecismo da Igreja Católica , 988-1050.
Leituras recomendadas
João Paulo II, Catequese sobre o Credo IV: Credo en la vida eterna, Palabra, Madri 2000 (audiências de 25-05-1999 a 4-08-1999).
Bento XVI, Enc. Spe Salvi, 30-11-2007.
São Josemaria, Homilia «A esperança do cristão», em Amigos de Deus, 205-221.
Notas
[1] Cf. São Tomás, Summa Contra Gentiles, IV, 81.
[2] Cf. São Tomás, Summa Theologiae, III. Suppl., qq. 78-86.
[3] Concílio Vaticano II, Const. Lumen Gentium, 48.
[4] Bento XVI, Enc. Spe Salvi, 30-11-2007, 45.
[5] Ibidem, 12.
[6] Cf. Ibidem, 13-15, 28, 48.
[7] Santo Agostinho, Confissões, 1, 1, 1.
[8] São Josemaria, Amigos de Deus, 221.
[9] Cf. Santo Agostinho, Epistulae, 55, 9.
[10] São Tomás, Summa Theologiae, I, q. 12, a. 6, c.
[11] «Com a morte, a opção de vida feita pelo homem torna-se definitiva; esta sua vida está diante do Juiz. A sua opção, que tomou forma ao longo de toda a sua vida, pode ter caracteres diversos. Pode haver pessoas que destruíram totalmente em si próprias o desejo da verdade e a disponibilidade para o amor; pessoas nas quais tudo se tornou mentira; pessoas que viveram para o ódio e espezinharam o amor em si mesmas. Trata-se de uma perspectiva terrível, mas algumas figuras da nossa mesma história deixam entrever, de forma assustadora, perfis deste gênero. Em tais indivíduos, não haveria nada de remediável e a destruição do bem seria irrevogável: é isto que se indica com a palavra inferno» (Bento XVI, Enc. Spe Salvi, 45).
[12] Cf. Ibidem, 47.
[13] São Josemaria, Sulco, 889.
[14] Com efeito, Bento XVI na Spe Salvi diz que «alguns teólogos recentes são de parecer que o fogo que simultaneamente queima e salva é o próprio Cristo, o Juiz e Salvador» (Bento XVI, Enc. Spe Salvi, 47).
[15] Cf. DS 856, 1304.
[16] Bento XVI, Enc. Spe Salvi, 47.
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